Saudade Fantástica
Na calada da noite, “você” me reencontrou.
Aquele comichão atrás da nuca, um desconforto na boca do estômago enquanto flashes de um passado não tão distante ecoavam pelo canto da mente.
Uma cosquinha no tímpano.
Aquele calor que sobe e desce pelo corpo.
A boca que saliva e o olho que dilata.
Uma saudade fantástica, no sentido literal da palavra.
É possível sentir saudade de algo que sequer existiu?
Por definição, fantasia é algo que é produto da nossa imaginação, portanto, só pode “existir” como algo fantasioso.
Um desafio à realidade material que nos assola.
Sinto sua presença e não te reconheço, você me enche os olhos, contudo, não consigo enxergar aquilo que eu costumava ver.
Nutrir saudades de algo imaginado me parece um tanto doloroso agora.
Ao criar expectativas irreais, condenamos o outro à decepção.
Em um determinado momento, a gente precisa separar o lado bom do lado potencialmente bom das coisas.
O lado bom já existe.
O lado potencialmente bom é o que pode ser.
Por que insistir, justamente, na possibilidade das coisas e não no que elas já são naturalmente?
Que desejo nefasto querer o retorno daquilo que nem veio a existir (e nem irá). Idealizar uma versão do outro sem que ele saiba de tal existência me parece um compromisso com a dor.
No final das contas, eu não te desejei nem por um segundo.
Te compreendi mal.
Foi como assistir um filme com as legendas erradas.
O que você não me disse (e foram muitas coisas) foi substituído por um impulso de dar sentido a tudo, entretanto, esqueci da natureza bruta do mundo.
Nem tudo precisa de complemento.
Nem tudo precisa de um futuro.
Nem tudo precisa de tudo, às vezes o pouco basta.
E foi este avanço rumo ao que poderia existir, que fiz morada no delírio.
O poço secou.
E a vontade você se tornou a vontade de algo-parecido-com-você, mas que não existe de fato.
Essa é a saudade fantástica que sinto e, infelizmente, ela não quer ir embora na mesma velocidade que veio.