- É indicado ler A Gota D’Água antes de seguir adiante.
Suas mãos tremiam quando ele chegou ao prédio e interfonou o zelador. A porta fez um barulho sinalizando que havia sido aberta e ele entrou.
Ao chegar na recepção, percebeu que o zelador parecia irritado e seu telefone não parava de tocar.
— “Boa tarde… preciso ir ao apartamento 23!”
— “Não pode ser, mais um de vocês? Suba de uma vez, mas já aviso que a pessoa que você procura não está!”
Atordoado e com o estômago gelado, ele seguiu ao elevador e apertou o botão “2”.
Ao chegar no andar solicitado, escutou um burburinho elevado e foi surpreendido com pessoas gritando e apontado um dedo umas as outras.
Um rebuliço havia tomado conta daquele andar e as pessoas pareciam possessas. Ele não soube dizer quem era inquilino e quem era visitante, pois eles estavam discutindo aos berros.
Uma mulher, provavelmente moradora do número 21, dizia que elas precisavam ir embora e as outras duas pessoas não davam a mínima. Eis que ela virou de repente, mediu o rapaz que acabara de chegar e saiu batendo os pés.
No corredor, haviam duas mulheres e ambas pareciam indignadas. Ali, todos possuíam um envelope em mãos e procuravam pela mesma pessoa.
Neste momento, ele entendeu que era, de fato, tarde demais.
Ela se foi… e fez questão de esfregar isso na cara de todo mundo.
Especialmente na dele.
Então pegou a carta e releu tudo pela décima vez.
“Você já parou para pensar que o Tempo é um enorme mecanismo que, ao ser criado, mudou a forma que a humanidade enxerga o mundo?
Momentos, anos, meses, semanas, dias, horas, segundos, o agora… o agora… e o agora fluem na frente dos nossos olhos enquanto você lê esta carta.
Eu nunca consegui encontrar o seu Tempo, sabia?
Me parecia que sempre era a Hora errada.
Te elogiei no Momento errado, compartilhei um segredo no Instante equivocado e por aí vai.
Parece que Cronos estava sempre no caminho, afinal, não dá para apressar o Tempo, ele é que apressa a gente.
Mas bastava eu estar contigo para as areias do tempo cessassem.
Inércia.
Pausa.
Paz.
Nada mais importava.
As asas dos pássaros pareciam travar em pleno ar.
O meu coração esquentava, mas não batia.
O mundo se tornava um grande borrão.
Porém, esses Momentos foram as raras exceções onde as nossas órbitas se cruzaram, afinal, a ausência foi infinitamente maior.
Quanto mais força eu investia, menos eu conseguia parar o Tempo contigo.
Seu corpo poderia estar na minha frente, mas sua cabeça estava no depois.
Você nunca estava lá.
O amanhã se constrói no hoje.
E você sempre evitou isso.
Construir.
Cronofobia.
O medo irracional da passagem do tempo.
Então eu joguei a toalha, o cansaço me derrubou.
E tenho certeza que um dia você acordou pela manhã, olhou em volta e se perguntou “Está faltando alguma coisa? O que eu perdi?”.
Acredito que só agora você se deu conta do que, de fato, se foi.
Você sempre soube onde me encontrar, entretanto, talvez o seu tempo tenha se esgotado.
Ao que tudo indica, o deus Cronos é minimamente justo.
Em uma linha do tempo alternativa, nós certamente fomos os melhores.
Transitoriamente,
K.”