Não Posso Querer Por Dois
O funcionário da estação anuncia que o nosso trem sairá dentro de dez minutos e solicita que todos os passageiros realizem o check-in o quanto antes.
Nos entreolhamos, sorrimos e, com as malas em mãos, nos dirigimos para o nosso vagão.
Na porta, o comissário confere as passagens de cada cliente e, perto da nossa vez, retiro meu bilhete do bolso para agilizar e percebo que você está confuso.
Você me pergunta onde está o seu bilhete e eu retruco calmamente que você deveria tê-lo comprado quando chegamos.
Por um breve momento, você diz que essa era a minha tarefa e eu apenas sorrio ao responder: “Bem que você queria!”.
Eu embarco e você é barrado pelo funcionário.
O trem anuncia a partida e vejo seu corpo, perdido e desnorteado, sumir na plataforma.
Engraçado como existem pessoas que insistem em delegar aos outros suas próprias responsabilidades.
Uma coisa é você fazer algo para agradar alguém.
Outra coisa é fazer pelo outro algo que não lhe compete.
E, confesso, que nem sempre é possível distinguir qual é qual.
Na vontade de querer agradar, acabamos por absorver um sem fim de responsabilidades que não nos cabem.
É nesse ambiente de gracejos e gentilezas que corremos o perigo de mal acostumar os demais.
Afinal, ninguém te pediu.
Você fez por que quis.
Disso ninguém esquece.
É no desejo de fazer por dois que miramos na comodidade e acertamos na ilusão.
Grande parte de nós quer “fazer dar certo”, isso é um fato.
Alguns são bons com elogios e sabem o que falar na hora certa.
Alguns amam desempenhar atos de serviços.
Há outros que preferem planejar um momento íntimo.
Há também quem ame o toque físico.
E nessa vontade de conquistar e facilitar é que alguém acaba fazendo mais.
Penso que seja louvável essa sua capacidade de fazer muito e pedir nada em troca, entretanto, me surpreende que você sequer perceba o pouco que está recebendo.
Quantos dias foram incríveis graças a você?
Quantas coisas só aconteceram por sua causa?
Quantas vezes você teve que tomar as rédeas da situação porque do outro lado havia apenas um grande “tanto faz” sendo dito?
É muito triste notar que, ao retirarmos o nosso entusiasmo de campo, sobra muito pouco na frente dos nossos olhos.
Eu sei, é muito gostoso conhecer alguém novo e, por vezes, a gente se inspira e quer caprichar na conquista, entretanto, faz-se necessário acompanhar o andar das coisas.
Fazer é tão bom quanto receber, por isso precisamos abrir espaço para que o outro também tenha chance de demonstrar.
Ninguém é responsável pela nossa felicidade além de nós mesmos, por isso é importante analisarmos para onde estamos indo (e quem nos acompanha).
A consistência é visível aos olhos, jamais se esqueça disso.
E quando a relação tiver apenas um sentido ou se parecer com uma bela miragem, não hesite em pular no primeiro trem para longe de quem se beneficia da vastidão dos seus sentimentos.
Se não for para somar, então que também não subtraia.
Querer por dois precede a frustração ao quadrado.