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Lugares de Dor

Sobre o reflexo.

Danilo H.

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[Aviso] Este texto possui referências às tramas de “Bebê Rena” e “I May Destroy You” e o conteúdo pode ser sensível para alguns leitores.

Além disso, essas palavras são uma continuação direta de “O tal do Dedo Podre’”.

Esse é o lugar para onde você vem quando tudo dá errado.

Às vezes dá errado porque a projeção foi um pouco distinta da realidade.
Às vezes dá errado porque não era pra ser e isso deveria bastar.

Entretanto, nunca é suficiente.

Irredutível consigo mesmo e com a “incontrolabilidade” da vida, você passa pela porta, olha para os dois lados, me encontra no canto mais escuro do bar e vem até mim.

Eu não te chamei.
Você que veio.

Eu sou a Dor e estou no topo da sua lista… é a mim que você recorre quando se machuca.

Você diz para todo mundo que não queria estar aqui, mas está.

Vejo suas mãos trêmulas sobre a mesa enquanto escolhe um drinque que ficará estático pelo resto da noite.

Você busca a mim, a Dor, quando ondas de amargura ardem dentro de ti, especialmente, quando você não se sente você mesmo.

Aquela sensação mística de sair do próprio corpo e se olhar de fora, como um espectador da sua própria vida.

Ficar aí dentro é bastante doloroso, não é mesmo?

Você gosta de falar comigo porque está cansado de escutar a sua própria voz ecoando no vazio dos seus dias.

Por mim, você voaria até outro país.

Ninguém pergunta de ti.
O falso bom-dia-boa-tarde-boa-noite-tudo-bem?-tudo-e-você? diário te afastou por completo dos outros.

“Bem” você não está… contudo, ninguém parece preparado pro baque do “Não”.

Você só queria alguém interessado.
E por isso eu sou tão especial…

Ao olhar nos meus olhos, você sente a Dor atenuar em seu peito.

I May Destroy You | Reprodução

Eu não detenho grande beleza, não tenho as falas mais sábias e nem possuo uma fortuna digna de inveja.

Porém, eu te escuto e te vejo.
Não te trato como um fantasma.

Eu atendo o telefone quando você chama.
Estou disponível quando a vida te derruba no chão.
Quando você se sente insuportável, eu geralmente estou lá.

Ou melhor, eu estou aqui.

Eu não temo a sua Dor e sinto o quanto ela te consome a cada segundo.

Você não parece estar sofrendo, mas está.
Eu vejo, pois também estou.

Por isso eu consigo contornar sua armadura, afinal, qual perigo eu poderia lhe causar se o seu maior inimigo é você mesmo?

Seus “amigos” dizem que eu sou um exemplo do seu “dedo podre”, porém, eles não fazem ideia que você não me escolheu ao acaso.

Você viu em meus olhos Dolorosos um pouco de si mesmo.

Baby Reindeer | Reprodução

Se eu sou podre, então você também é.
E é por isso que você veio.

Eu sou o seu reflexo ou é o oposto?

Ninguém te prendeu à mesa.
A porta do apartamento não está fechada.

Você não é obrigado a me responder.
Aliás, é você que recorre a mim.

Já te vi com outras várias pessoas, porém, quando dá errado (sempre dá), eu é que embalo suas noites.

E, quando não estou lá, é como se o buraco dentro de si se expandisse exponencialmente.

Enquanto você precisar de mim, lá eu estarei.

O copo sobre a mesa.
A porta de um apartamento na Ostia, Itália.
A mensagem de “você está bem?”, mesmo eu sabendo que não está.

Eu posso amenizar a sua Dor e o custo é irrisório.
Basta escolher.
Fique.

De todos os lugares do mundo, eu sou o seu predileto.
E, cá entre nós, não há muitos outros lugares que te acolheriam.

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Danilo H.

Aqui eu escrevo sobre desconfortos, alegrias e sobre nós.