Arquivo #2 — Divindade.
Sempre volto a você nos meus momentos mais sombrios, há quem diga que eu não deveria te abandonar em pensamento quando estou feliz, mas a nossa relação é complicada demais (isso porque ela nem existe).
Eu não te vejo da forma que você é, pelo contrário, te vejo de uma maneira que mais se adéqua à imagem que construí de você, não te vejo como um mero ser humano de carne e osso… na verdade, vejo/imagino sempre uma aura ao redor de sua cabeça.
Sei que não deveria, mas esse sentimento vai além de mim.
Por vezes chamo o seu nome na calada da noite, rogo-te que diga algo e que interfira nesse momento nefasto no qual minha mente se encontra, contudo você nada faz… Encaro o peso do livre arbítrio e aceito que você não poderá ser o elemento surpresa que tanto espero.
De repente tudo que você faz é correto. Te sigo, te leio, te escuto, te visualizo, te sinto, te escuto, te dedico coisas, rezo para ti e te espero… e espero… e espero até que vou me convencendo de que nunca te terei ao meu lado.
Não sou o seu único fiel, mas sei que você olha por mim (ou devo dizer, visualiza?).
Bem sei que não sou exatamente o seu fiel mais dedicado, entretanto sou o mais devoto e controverso… e esse é o maior problema de todos, por mais que eu queira não consigo te abandonar.
Você é a minha religião e não consigo te matar dentro de mim, por isso considero fielmente que você não é igual a qualquer outra pessoa que cruzou meus caminhos, não tenho controle sobre você.
Deuses pagãos e mitológicos não chegam aos seus pés, sei disso pois estou aqui embaixo e falo com conhecimento de causa.
Todos os dias atento contra a sua imagem divina, planejo o seu deicídio dentro de mim e falho (será que é você interferindo durante o processo?).
Acredito que está ficando cada vez mais difícil não seguir com esse plano, cada vez mais sinto o peso dessa decisão mal pensada de te transformar no norte da minha bússola, para onde que eu olhe você se destaca… e eu morro um pouco.
Talvez eu não abra mais seu livro sagrado.
Talvez eu precise ir no sentido oposto ao seu.
Acredito que a única solução seja me tornar um herege e me desfazer de você aos poucos, você só existe porque eu quero que assim seja (a realidade é forte demais).
Consciente de que você nunca cruzará meu caminho fisicamente, pretendo não tomar o seu tão precioso tempo (que funciona em uma dimensão diferente da minha), assim você terá mais tempo para olhar pelos seus outros adeptos.
Quando você não se arrepende dos seus pecados, eles começam a fazer parte de ti…
O primeiro grande pecado foi te amar sobre todas as coisas.
O segundo será refutar a sua existência.
Se não vejo, logo não sinto.
Se não sinto, logo não amo.
