Catastrófico
Estou no trigésimo quinto andar do edifício escutando música, percebo pela minha visão periférica que um rapaz se aproxima e espera pelo elevador ao meu lado.
As portas se abrem, eu entro primeiro, aperto o “T” e as portas se fecham.
Segundos mais tarde, o elevador dá uma chacoalhada brusca, as luzes piscam e, devido ao susto, sento no chão enquanto respiro com rapidez.
Percebo que o outro rapaz também está assustado enquanto olha fixamente para a porta.
O silêncio é quebrado por uma voz no painel do elevador:
— “Ei, vocês estão bem? Somos da recepção e estou vendo vocês pelas câmeras!”
Olho para o rapaz e respondo por nós dois que “estamos bem” e aproveito para perguntar quando sairemos da li.
— “Ainda não sabemos! Já ligamos para os técnicos e eles estarão aqui em breve! Nos mantenha avisados do estado de vocês!”
Ele desliga a chamada e respiro fundo enquanto olho ao redor. Um silêncio desconfortável toma conta do ambiente, então decido perguntar ao rapaz se ele está bem e a resposta me surpreendeu um pouco.
— “Estou bem, mas acho que vamos morrer! Essa coisa pode despencar a qualquer momento e talvez os freios não funcionem, então o impacto será pior.”
Arregalo os olhos e permaneço quieto. Talvez eu estivesse esperando um pouco de esperança e ganhei um balde cheio de medo virado em cima de mim.
Ele nota o clima estranho, pede desculpas e diz:
“Não pude evitar, a catástrofe me persegue, então a vejo por todo lado.”
Acho que o assustei.
Decido me sentar no chão enquanto espero o elevador despen… voltar ao normal e decido esclarecer a minha fala.
“Desde sempre, a catástrofe me acompanha como um cachorro perdido na rua.
Há um momento em que tudo dá tão errado que esperar pelo pior se torna um grande conforto.
Acho que não sei mais qual é o oposto deste sentimento.
Algo se foi.
Tenho uma teoria: Acredito que estou em um estado que nada me surpreenderá mais, pois tudo dá errado.
Na verdade, será só mais um pequeno grão de areia nesta praia repleta de decepções, tristezas, amarguras, inseguranças, infelicidades e ausências.
E, sim, eu estou ciente de tudo isso que estou dizendo… talvez essa seja a pior parte.
Eu não queria acreditar que o meu conforto se encontra, justamente, na ausência das coisas e em tudo que não há.
Se esse elevador cair, não será uma surpresa.
Se eu não sair vivo dessa, não será uma surpresa.
Se você decidir abrir essa porta à força e sair daqui, não será uma surpresa.
Todos os cenários dolorosos já passaram pela minha cabeça antes de que eu te respondesse aquilo.”
O outro rapaz estica as pernas, me olha nos olhos e diz:
“Entendo seu ponto de vista. Eu também não vim de um lugar seguro!”
— “Porém, fiquei com uma dúvida: Você já esteve em uma situação como essa antes?”
— “Não… mas…”
— “Você já viu um elevador despencar?”
— “Não… só que…”
— “Você sabe que, nesse momento, tem uma galera vindo tirar a gente daqui… então qual é o grande problema em acreditar?”
— “É mais fácil acreditar em algo que eu vejo com frequência do que algo que geralmente não acontece comigo! Sua realidade não é universal!” — Responde ele, na defensiva.
— “Lamento dizer, mas a sua também não!”
O elevador estala e, após dois trancos repentinos, ele volta a descer normalmente.
Ambos os rapazes se levantam e se entreolham com alívio.
Na recepção, os técnicos perguntam se eles estão bem, informam que a pane foi solucionada e se colocam à disposição deles.
Os rapazes saem pela recepção, se despedem com um “Tchau!” bem tímido e um deles aproveita para dizer:
— “Aliás… sua teoria falhou… não deu tudo errado… hoje a catástrofe falhou… e ela falhará uma centena de vezes… tal como a esperança! Espero que você se lembre disso na próxima vez.”
Ambos riem e seguem seus caminhos.
Uma porta, que até então estava fechada, foi destrancada dentro de um deles.