Abrigo Temporário
Este é o sinal que você estava esperando para fechar aquela porta.
Olho rapidamente pelo fresta da cortina e vejo que uma fila se forma do lado de fora, porém, hoje o Abrigo não abrirá as portas.
Na verdade, esse lugar ficará fechado para todo o sempre.
Ando na ponta dos pés, desligo a chave de luz daquela lugar que recebeu tantas pessoas diferentes (veja bem, não disse que elas eram boas) e saio cautelosamente pelos fundos.
Carrego apenas uma mochila com meus pertences, pois nada daquele lugar me apetece mais.
Aliás, dar vida a um Abrigo temporário não estava nos meus planos.
Tudo começou com a melhor das intenções.
Primeiro foi um afago, depois uma compreensão.
Em seguida, houve a tolerância.
E quando eu percebi, minha vida virou uma rodoviária.
Lugar de passagem.
Onde as pessoas ficam por pouco tempo, mas nunca se demoram.
O primeiro foi embora.
O segundo morou no Abrigo, porém, numa certa manhã, sumiu no ar feito fumaça.
O terceiro quase me colocou para fora do meu próprio Abrigo.
E mesmo depois de muita análise, criar regras e um zilhão de etapas de segurança, a dor das partidas não cessaram.
A conveniência e capaz de burlar os sentidos.
Ser um Abrigo para as pessoas é a tarefa mais ingrata que existe, por isso estou indo embora.
Abracei uma responsabilidade que não era minha… como já diria uma pessoa um tanto questionável: “o problema é de quem colocar a mão!”.
E eu coloquei a mão (e um pouco mais).
Me derramei.
Transbordei.
Escorri.
Mas a que custo?
Exatamente.
Nenhum.
Eu deveria ter antecipado que abrir espaço para pessoas esguias, vazias e com o ego desesperado só poderia ocasionar dor.
E veja só que irônico, um lugar repleto de pessoas consegue ser, ao mesmo tempo, um belo conglomerado de vazios.
Um vazio tão grande que a ninfa Eco poderia facilmente fazer morada ali.
Não tenho mais paciência para pessoas temporárias, cheguei no meu limite.
Quem abriga o Abrigo?
Quem varre o chão, limpa as paredes e perfuma os ares desse lugar?
Exatamente, também não faço ideia.
A uma quadra de distância, vejo pessoas discutindo e escuto um bate-boca daqueles que fazem as mãos suarem.
Ninguém se importa com quem está disposto a dar um abrigo da dor, do frio, do calor, da rejeição e da tristeza.
Não posso aceitar este presente de grego que me tornou um lugar de passagem.
Fui a escada, o corrimão, a porta, o ar, o calor que afaga a alma, a bebida que desce queimando pela garganta e a paz no caos ao redor.
Mas não hoje, não mais.
Não permiti que o Abrigo saísse de mim nesta manhã e fosse ao encontro dos demais, pelo contrário, o mantive aqui dentro e fui-me desse lugar doente.
Este abrigo fechou.
E não importa o quanto tentem revivê-lo, nada será como antes.
O toque final corre pelas minhas veias.
Finalmente voltei a mim.